Monday, April 9, 2012

SCENA I


ACTO PRIMEIRO


SCENA I

Elsenor, a explanada do castello

FRANCISCO de sentinella, BERNARDO vem encontrar-se com elle

BERNARDO

Quem vem lá? viva quem?

FRANCISCO

Responde tu primeiro, faze alto, deixa-te reconhecer.

BERNARDO

Viva o rei.

FRANCISCO

Bernardo?

BERNARDO

Eu mesmo.

FRANCISCO

És pontual.

BERNARDO

Acaba de dar meia noite; vae descansar, Francisco.

FRANCISCO

Agradeço-te de me teres vindo render; faz um frio glacial, e começava a
sentir-me incommodado.

BERNARDO

Não houve novidade emquanto estiveste de sentinella?

FRANCISCO

Nem sequer ouvi correr um rato.

BERNARDO

Então boas noites; se vires Horacio e Marcello, que tambem estão de
guarda, dize-lhes que se aviem.

Chegam HORACIO e MARCELLO

FRANCISCO

Creio ouvil-os, façam alto, quem vem lá?

HORACIO

Amigos da patria.

MARCELLO

Subditos do rei de Dinamarca.

FRANCISCO

Santas noites.

MARCELLO

Viva, meu valente soldado, quem te rendeu?

FRANCISCO

Bernardo está agora de sentinella. Boa noite. (Retira-se.)

MARCELLO

Olá, Bernardo?

BERNARDO

Não é Horacio que eu vejo?

HORACIO

Elle mesmo em corpo e alma.

BERNARDO

Bemvindo sejas, Horacio, e tu tambem, amigo Marcello.

MARCELLO

Dize-me, já viste a apparição esta noite?

BERNARDO

Ainda nada vi.

MARCELLO

Horacio diz que é effeito da minha imaginação, e nega-se a acreditar na
visão temerosa, de que já por duas vezes fomos testemunhas; pedi-lhe
portanto que viesse comnosco, para que se o phantasma de novo apparecer,
elle possa testemunhar a verdade do que afiançâmos e dirigir-lhe a
palavra.

HORACIO

Historias, qual apparecer!

BERNARDO

Sentemo-nos um instante, e vamos repetir-te a narração do que temos
presenceado duas noites consecutivas e a que prestas tão pouco credito.

HORACIO

Com todo o gosto, e deixemos fallar Bernardo.

BERNARDO

A noite passada, á hora em que esta estrella que vêem ao poente do polo
descreve o seu giro e vem illuminar esta parte do firmamento, em que ora
brilha, no momento em que na torre soava uma hora, Marcello e eu...

MARCELLO

Silencio, eil-o que apparece.

Apparece a sombra do REI

BERNARDO

Assimilha-se ao defunto rei.

MARCELLO

Tu que estudaste, Horacio, falla-lhe.

BERNARDO

Não é verdade que se parece com o defunto rei? Observa bem, Horacio.

HORACIO

A similhança é espantosa; a surpreza e o terror paralysaram-me.

BERNARDO

Parece esperar que lhe fallem.

MARCELLO

Falla-lhe, Horacio.

HORACIO

Quem quer que és, que a esta hora da noite usurpas a fórma magestosa e
guerreira, debaixo da qual se mostrava o meu defunto soberano, em nome
do céu, falla, ordeno-to eu!

MARCELLO

Parece descontente.

BERNARDO

Eil-o que se afasta, caminhando lenta e gravemente.

HORACIO

Detem-te, falla, falla, intimo-te a que falles. (A sombra afasta-se.)

MARCELLO

Foi-se sem responder.

BERNARDO

Então, Horacio, que é essa tremura e pallidez; não haverá alguma cousa
mais do que um effeito de imaginação, que dizes agora?

HORACIO

Pelo Deus do céu, não o acreditava sem o testemunho positivo e
irrecusavel dos meus proprios olhos.

MARCELLO

Não se parece com o rei?

HORACIO

Como tu te pareces comtigo mesmo, era a armadura que usava quando
combateu o ambicioso norueguez; tinha aquelle ar ameaçador, no dia em
que no seu proprio carro, atacou, por causa de uma acalorada porfia, o
guerreiro polaco, e o prostrou no gêlo para nunca mais se levantar. É
assombroso!

MARCELLO

Assim é que elle já duas vezes passou pelo nosso posto de observação com
o seu caminhar grave e marcial.

HORACIO

Com que designio, ignoro-o, mas em minha opinião é um presagio para o
estado de alguma grande catastrophe.

MARCELLO

Pois bem, sentemo-nos, e aquelle d'entre vós todos que o souber, diga
porque fatigam, com guardas vigilantes e rigorosas, os subditos d'este
reino; para que esta fundição diaria de canhões de bronze, estas compras
de armamentos e munições no estrangeiro; para que se enchem de operarios
os nossos arsenaes maritimos; porque este augmento de trabalho, que nem
os dias santos são respeitados; para que esta actividade de dia e de
noite? O que será? Qual de vós m'o poderá dizer?

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